Futebol
Tema: "A magia da Taça de Portugal"
Artigo publicado in SporTViseu 24 Outubro 2012
Autor: Luís Paulo Rodrigues
Tema: "A magia da Taça de Portugal"
Artigo publicado in SporTViseu 24 Outubro 2012
Autor: Luís Paulo Rodrigues
A Taça de Portugal, não sendo novidade para ninguém, assume uma vertente carismática e mítica na história do futebol português.
Não tenho grande experiência de Taça como adepto e
praticamente nenhuma como “profissional” de comunicação social. Tive
oportunidade de fazer os dois jogos do Sampedrense em que foi eliminado,
quer na época passada, quer esta época. Tinham sido os únicos jogos até
ao momento e, sentindo, de facto, uma certa diferença entusiástica ao
fazer esses jogos (sobretudo no jogo do ano passado em Santo Tirso, onde
ficou um sentimento de injustiça). Como adepto, a época passada foi
marcante, já que acompanhei vários jogos da campanha da Académica,
culminando na invasão de campo em Santa Maria da Feira, na meia-final.
Ao Jamor só não fui por impossibilidades de última hora.
Bom, não me parece que estou a ser lá muito objectivo e interessante. Vamos ao que interessa!
Este fim-de-semana fui incumbido de ir com um
colega acompanhar o Penalva do Castelo na deslocação a Fátima, para o
órgão onde colaboramos, a Rádio Lafões. Ora, no breve estudo das equipas
no dia anterior, fiquei com uma preocupação que não me coíbo de
partilhar: “é jogo para estar resolvido ao intervalo, portanto, sendo a
única partida da emissão, com que raio de matéria vamos nós conseguir
entreter o resto da partida?”. É verdade. Acredito que existe grande
diferença competitiva da III para a II Divisão e ainda mais este ano.
Ainda assim, como em tudo, há uma réstia de esperança. Já tinha visto o
Penalva este ano e se há coisa que saltou à vista foi a alma. Por outro
lado, a Taça costuma causar espanto de quando em vez. Bem, não deve ser
nada, vamos lá fazer o joguinho e, falávamos já na viagem, esperar que
não houvesse prolongamento para voltar a horas decentes.
Saída depois das 10h, um recorde pessoal. Nacional
fora, que as portagens são caras e a contenção passa por aí. Morrinha
matinal de domingo, que suscita ânsia pelo regresso aos lençóis.
Restaurantes e cafés consecutivamente encerrados (faço ideia da
afluência dos longínquos anos 90). Conversa futebolística para entreter
as horas de asfalto. Paragem no Pinto, para um bife à casa (boa
escolha). Chegada a Fátima com peregrinos na rua, afluência habitual
para um domingo. Local de retiro? De reflexão? De fé? Fátima é uma
autêntica montra comercial!
Chegados ao estádio, tudo nos conformes, com alguns
percalços que fazem parte das burocracias excedentárias do nosso
Portugal. Ambiente tranquilo, pouca gente (em Fátima trabalha-se ao
domingo e descansa-se à semana), Abel Silva com olhos nos craques da
casa emprestados pelo Benfica, Mozer a ensaiar um regresso aos bancos
depois do malfadado Portimonense, André Gralha no apito, começa o jogo.
Fátima a dar de barato a primeira parte, com
dificuldades em entrar no último terço do terreno. Penalva bem
organizado, mas fraco nos contra-ataques. Antes do intervalo, uma
substituição – um dos craques lá para dentro que o jogo tem que ser
agitado. Comentário: “sim, o Penalva está a surpreender com a sua bela
organização defensiva”. Pensamento: “este menino tem pinta de quem vai
quebrar os rins a alguém a qualquer momento”. E se há prolongamento?
Segunda parte a bom ritmo, com muito mais Fátima.
Oportunidade a oportunidade, o tempo vai escasseando, o Penalva vai
acreditando, o Sérgio (sim, o capitão, de 20 anos… em cada perna)
parecia um miúdo quando sabe que vai algum olheiro observá-lo para o
levar para um grande. Comecei a ficar contagiado por aquele brio, que
fibra! Já estou a desejar o tal prolongamento, quando dou por mim. Já
estou a desejar que o Zé Carlos faça uma arrancada, sirva o Flávio em
profundidade e este cruze para a cabeça do inesgotável Dedé. Então?
Porquê? Sou um suposto “jornalista”, a ética manda que eu esteja quieto
no meu canto, impõe que eu me mantenha imparcial, que eu seja frio. Ok,
vamos tentar manter o nível.
Fim dos 90 minutos e o nulo. Vá, relaxar, urinar,
apanhar ar fresco, beber dois goles de água. Toca a retomar os
comentários, novamente a frio. Aproximam-se os (poucos) adeptos do
Penalva da cabine de imprensa para saberem os resultados da Honra.
Observei-os em silêncio. Num olhar, a esperança de gente humilde. Num
grito de incentivo, o sacrifício da longa viagem. Num suspiro, a devoção
a um clube que, provavelmente, acompanham desde crianças. Não sou
daqueles inquebráveis que dizem que gostar deste ou daquele clube é que é
único, é que é diferente. Acho que cada um gosta da forma particular
que entende. Não se mede. É como a história da “mística”. Teoria da
treta! Mas, naquele momento, não me contive mais. Vesti a camisola.
Vamos Penalva! Está visto que chegar à baliza contrária é mentira,
portanto toca de aguentar, entre cãibras e limites físicos, o resultado
até aos penaltys. Feito!
Começa o Fátima. O mais novo dos adeptos
penalvenses, talvez com os seus 15 anos, diz-me que não vai conseguir
ver. Isso, enerva ainda mais o rapaz da rádio, que já está pouco
atrapalhado com a sua falta de ética no trabalho. Ética? É a cadeira que
eu ando a fazer em atraso. Que se lixe a ética! E entretanto o Ferrari
já estava a defender o primeiro penalty. Depois, o Ascenso mandou por
cima. Pronto, o Fátima agora galvaniza-se e, mais tranquilo, a marcar
primeiro, acaba com isto. Nada disso. Um atrás do outro, os do Penalva
não vacilavam. Esbracejava como um adepto na bancada, festejava,
desesperava e, a meio, tentava ser coerente nos comentários
radiofónicos. Não deve ter resultado. Quinto penalty, um dos miúdos que
tínhamos destacado vai para a bola sem confiança, apanha muito balanço,
não acerta o passo, estava nervoso. Falhooou!
Se o Alfredo marcar… o Penalva passa! Naquele
momento fiz um compasso de espera. Olhei para um lado, vi o Jorge a
tremer com o microfone e a respirar fundo. Olhei para o outro, estavam
os adeptos do Penalva com as mãos na cabeça. A um só momento, todos
esperneámos ao sabor do pontapé do número 5. Ele correu como um
desalmado pelo campo fora, imitando os célebres festejos do Pauleta.
Outros correram para erguer o Bruno Ferrari, lavado em lágrimas por
problemas familiares (o que me custou entrevistá-lo depois…).
Fez-se Taça! Consegui perceber bem melhor o que a
torna tão peculiar. Estará o leitor a pensar, certamente: “que folclore
que por aqui vai, nem foi um acontecimento assim tão marcante, foi só um
jogo de futebol, este acordou hoje para a vida”. Não discordo, a frio.
Mas o sentimento de realização fez-me pensar. Saí de casa às 10, cheguei
à 1h da madrugada. Perdi mais um domingo. Não compensou
financeiramente. E então? Valeu bem a viagem! É por coisas como estas
que vale a pena o futebol. É por isto que há tanta paixão por uma coisa
que, vista do exterior, parece fútil. Adoro futebol!
Texto: Luís Paulo Rodrigues
Fotos: CinZa
Fotos: CinZa