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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Artigo de Reflexão: "Policiamento de Comportamentos"

Futebol

Tema: "
Policiamento de Comportamentos"


Artigo publicado in SporTViseu 06 Novembro 2012

Autor: Luís Paulo Rodrigues

A linha de risco - Policiamento de Comportamentos


Sou um apaixonado de futebol que, como muitos outros, fui praticante. Comecei com 9 anos e fiz todos os escalões de formação em vários clubes da minha zona mas, chegado aos seniores, percebi que era fruta a mais para mim e, como tal, tive a coerência de pendurar as chuteiras e não atrapalhar quem realmente sabe dar uns toques na bola (coisa que para mim, confesso, era secundário).
Durante as 10 épocas que fiz sempre soube que não daria jogador, mas nunca me deixei afectar por isso. Pelo contrário, sabendo-o de antemão, a minha opção era a de desfrutar do futebol enquanto podia. Nunca recebi dinheiro, logicamente, sempre joguei por amor à camisola. Era raro faltar a treinos, mesmo quando só apareciam 5 ou 6 na altura em que os resultados eram negativos. Adorava treinar à chuva, adorava as brincadeiras e o espírito de balneário. Vibrava com as emoções de um simples derby concelhio e passava as semanas anteriores em picardias com colegas que jogavam “do outro lado”. Tenho saudades, mesmo muitas! De tudo o que envolvia aquele futebol genuíno.
Ao longo desses 10 anos, cresci bastante. Não sou nenhum ser imaculado, tenho defeitos, como todas as pessoas. Sempre fui estudando, formei-me e continuo a estudar. Cresci pela boa formação que tive em termos pedagógicos e cresci sobretudo pelos grandes pais que tenho. Mas também cresci pelo que vivi (e ainda vivo) no futebol. Aprendi bastante com todos os treinadores, com todos os colegas, com todos os dirigentes, com todos os adeptos, com todos os adversários. Aprender, aqui, não significa que todos os ensinamentos foram positivos, mas sim que consegui retirar de cada situação, uma lição.
Ora, como em qualquer lado, havia sítios onde tinha receio de ir. Não vou citar nomes, porque acredito ter telhados de vidro. Sempre houve lugares no distrito onde foi mais difícil jogar, onde miúdos com 13 ou 14 anos são mal tratados, onde os árbitros sentem a pressão da proximidade dos adeptos e a vulnerabilidade a que estão sujeitos, onde não há condições mínimas de segurança.


Noutro prisma, o meu crescimento também me fez perceber várias coisas. Primeiro, o país está numa crise profunda, sugado por anos e anos de comodidade e de facilitismos. Segundo, os cortes têm e estão a ser feitos. Terceiro, há sectores mais carenciados que outros. Quarto, o futebol é uma grande indústria. Quinto, a segurança é fundamental para as pessoas. Sexto, o civismo é crucial!

Toda a gente sabe que o policiamento dos jogos das camadas jovens terminou neste último fim-de-semana, fruto do decreto-lei 216/2012, publicado em Diário da República há quase um mês. (Segundo novas informações, esta decisão ainda está a ser ponderada e proavelmente vai perder o efeito até ao final desta temporada). O artigo 3º do decreto-lei em causa diz que «nos espetáculos referentes a competições de escalões juvenis e inferiores, quando realizadas em recinto, em regra, não deve ter lugar o policiamento» e que, caso este seja requerido, «de forma justificada», os encargos são «suportados pelos respetivos promotores».
À partida, isto parece um escândalo. E agora? A segurança dos meninos? E a dos árbitros? E etc.? Ai! que vai ser o caos, que vai ser uma “tremideira”, que há sítios que nem devemos ir… Tudo legítimo, mas o verdadeiro cerne da questão está, a meu ver, mal observado.


Face a esta medida, sou da opinião que peca pelo timing. Deveria ser alargado o prazo, entrar em vigor num intervalo de tempo maior, talvez na próxima época e não 30 dias depois de ter sido anunciada. Em relação ao sentido, e sei que muitos não partilham a minha opinião, mas sou a favor.
As camadas jovens mais não devem ser do que FORMAÇÃO dos atletas. Não sou minimamente formado na matéria, mas, na minha visão simplista, formar não é ensinar a criticar árbitros, não é incentivar a ódios, não é berrar e tratar mal as crianças. É dar-lhes confiança, dar-lhes ensinamentos, mostrar-lhes estratégias que os façam pensar, movimentos que os façam soltar-se da timidez, meter travões a vedetismos e exigir “pés no chão”, incentivar ao sucesso escolar e, sobretudo, faze-los divertirem-se. Ponto. Ganhar é importante, é bom haver competitividade, mas não é, de todo, o mais importante. Um jogo de camadas jovens tem, normalmente, quantas pessoas? 30, 40, 50. Pode, na loucura, chegar aos 100/150. É preciso policiamento? Em tempos de vacas gordas, talvez se aceitasse. Agora? É, à semelhança dos números absurdos de deputados e de regalias aos membros governamentais, evitável.

Precisamos de policiamento nos campos? Não. Não o temos nas escolas, não o temos no teatro, não o temos no cinema (em todos estes sítios o número de pessoas é semelhante) … Porque haveríamos de ter num espectáculo desportivo? Sim, amigos, o futebol é um evento/espectáculo desportivo. Nos campos precisamos de infra-estruturas seguras (campos vedados, entradas e saídas de balneários cobertas). Precisamos de multas exemplares para prevaricadores e para comportamentos à margem da lei. Precisamos de várias coisas. Mas precisamos, sobretudo, de civismo.


Sei que sou repetitivo quando digo que chegámos ao século XXI, mas vou dizê-lo vezes sem conta, até ver que existe uma mudança global de mentalidades. Portugal continua a ser uma das periferias da Europa porque não há evolução de mentalidades. Continuamos a invejar o vizinho do lado. Não sabemos actuar na pura inocência. A mesquinhice faz parte do nosso ser. Mas, se olhamos e queremos olhar para, por exemplo, países da América do Sul e pensar que os de Terceiro Mundo são eles e não nós, precisamos de reformular comportamentos. Batalhas campais no futebol? É lá. Agressões? É lá. Insegurança e risco de vida? É lá. Aqui não! Aqui sabemos ser, sabemos estar, sabemos comportar-nos decentemente quando queremos. Sabemos ser exemplos. Após esta medida, exige-se uma tábua rasa. Se não for por nós próprios, façamo-lo pelos miúdos. Sejamos exemplo, é o meu apelo.  Parece utópico da minha parte? 

Parece, porque estamos acostumados a ir para o futebol não para nos divertirmos – como a designação espectáculo o exige –, mas para descarregar em árbitros ou em qualquer outro elemento as frustrações da semana. Mas não é utópico. Nem impossível. Desde que as pessoas tenham consciência de quem são, do que fazem e do que têm a corrigir


Está na altura de todos os agentes de jogo crescerem. Pais, treinadores, adeptos, dirigentes, árbitros, todos têm que dar agora um grande passo de maturidade e de respeito. Para quê? Para que aqueles que são os principais intervenientes do futebol de FORMAÇÂO, cresçam também: os miúdos. Dêem-lhes liberdade. Deixem-nos correr. Deixem-nos ser livres. Deixem-nos divertirem-se. Como eu me diverti.

Luís Paulo Rodrigues

Fotos: CinZa © direitos reservados