João Aurélio é a prova viva de que a persistência, a qualidade e o mérito têm sempre lugar. Apesar de não ter passado pela formação de nenhum dos chamados ‘grandes', este alentejano deu-se a conhecer num Torneio Inter-Associações o que lhe valeu uma experiência de duas épocas no Vitória de Guimarães. Durante os dois anos em que viveu no Minho, conviveu com treinadores importantes na história do futebol português mas, curiosamente, foi outro ‘minhoto', Manuel Machado, a dar-lhe a oportunidade de chegar à I Divisão.
Hoje é um jogador perfeitamente consolidado. Extremo direito de formação, João Aurélio marca a diferença pela capacidade com que cumpre diversas posições com uma eficácia elevada, o que com que seja uma peça importante nos planteis que tem integrado.
Agora, a Academia de Talentos dá a conhecer, na primeira pessoa, um dos jovens mais promissores do futebol português: Chama-se João Aurélio e sonha vestir a camisola da selecção principal portuguesa.
Antes de mais, João, obrigado por ter acedido ao convite da Academia de Talentos. Tendo em conta que já o vimos actuar como lateral, médio, extremo ou avançado, afinal de contas, qual é a sua posição no futebol?
Já experimentei várias posições, mas a minha posição de raiz é extremo direito. Não posso dizer que é a preferida pois já joguei noutras posições e gostei. Tal como defesa-direito, por exemplo.
Acha que o facto de não ter posição definida aos olhos dos adeptos que acompanham o futebol o prejudica na opinião pública?
Talvez. Pode prejudicar em alguns momentos, mas ainda sou jovem e a minha polivalência acaba por também me beneficiar em alguns momentos.
Foi nessa posição que começou no Despertar Sporting Clube?
Sim, foi.
Nessa altura, quando apareceu numa equipa do interior alentejano, tinha ambições de se tornar profissional de futebol?
Claro. Sempre foi este o meu sonho desde miúdo, ser profissional de futebol.
E como é que surge o convite para viajar até Guimarães?
Foi num torneio inter-associações, num jogo entre as selecções de Beja e Lisboa. O jogo correu-me de feição e o emissário do Guimarães convidou-me para ir lá treinar. Eu e o meu irmão fomos à experiência e eu acabei por ficar.
Pensou que esse seria o primeiro passo para a chegada a I Divisão?
Mal me surgiu esse convite pensei logo que era um passo importante para vingar no futebol profissional.
Cumpriu ano e meio nos escalões de formação do Vitória Minhoto, entre 2005 e 2007, tendo acompanhado, de perto, a descida de divisão do Vitória. Apesar do insucesso desportivo que isso traria ao Clube, chegou a pensar que poderia ser uma oportunidade para chegar à equipa sénior?
Na altura nem pensei nisso. Apenas pensei em trabalhar bem para merecer uma oportunidade, pois sabia que, independentemente da divisão em que estivesse, um clube como o Guimarães teria sempre grandes jogadores.
Chegou a ser chamado por Manuel Cajuda para trabalhar com os "grandes"?
Sim. Primeiro pelo Mister Norton de Matos e depois com o Manuel Cajuda. Aliás, no meu segundo ano de juniores sempre trabalhei com o plantel profissional.
Então, o que é que correu mal para não ter vingado logo em Guimarães?
Penso que tinha valor, mas os responsáveis do Vitória pensaram de modo diferente, pelo que continuei a minha carreira noutro clube.
A verdade é que dois anos depois de chegar ao Vitória, vai para o Penalva do Castelo, em 2007/2008, que na altura estava a disputar a II Divisão. Acha que esse passo atrás na sua carreira foi determinante para, depois, dar dois à frente?
Foi, porque no Penalva do Castelo tive a oportunidade de dar nas vistas, o que me valeu a ida à Selecção de Sub-20. Isso permitiu-me dar um salto maior.
No final da época, em que o Penalva disputou a poule de subida, o treinador Manuel Machado, também ele com ligações afectivas ao Vitória de Guimarães, acaba por levá-lo para o Nacional da Madeira. Pode-se dizer que o professor foi o treinador mais importante na sua carreira?
Foi ele que apostou em mim, dando-me a oportunidade de ser profissional, pelo que foi sem dúvida nenhuma o treinador que, até agora, mais marcou a minha carreira, pois permitiu-me concretizar o meu sonho de ser profissional de futebol.
Apesar de não ter feito formação nos chamados grandes do futebol português, depois de uma boa época no Penalva do Castelo o Nacional da Madeira chama-o para a I Liga. Estava à espera do convite dos madeirenses?
Confesso que não. Nunca sabemos o que nos vai acontecer. Acreditava que poderia ter algum convite, mas sinceramente do Nacional não estava à espera. Também, por isso, fiquei muito feliz, pois este é, sem dúvida nenhuma, um grande clube.
Para alguém que estava, até então, a disputar uma II Divisão, entrar numa equipa profissional deve ter sido, no mínimo, diferente. Que clube encontrou quando chegou à Madeira?
Um clube muito bem organizado, cheio de boas pessoas, que me ajudaram imenso para poder habituar-me bem à Madeira e à nova realidade de ser profissional e de jogar na I liga.
Quando ingressou no Nacional, tendo em conta que era uma equipa com ambições a um lugar europeu e recheada de jogadores com vários anos de experiência de I Liga, poucos adeptos acreditavam que se conseguisse impor. Sentiu essa desconfiança por parte da massa adepta dos madeirenses?
Não. Os adeptos podiam não me conhecer mas nunca senti que desconfiassem do meu valor.
Nessa época, em 2008/2009, o Nacional terminou na quarta posição, logo atrás dos grandes, e conseguiu o acesso a um lugar europeu. O João participou em 12 jogos, 10 do campeonato e dois da Taça da Liga, ao longo dos quais conseguiu marcar um golo ao Belenenses. Que análise faz dessa primeira época no futebol profissional?
Foi boa, pois vinha de uma II Divisão B e seria difícil impor-me de início. Fazer 10 jogos, logo no ano de estreia, foi muito bom para um jovem.
Lembra-se de como foi esse golo?
Claro que sim. Foi um golo muito interessante. Arranquei do lado direito do ataque para o meio e, na cara do guarda-redes, meti-lhe a bola entre as pernas. Esse golo vai ficar na minha memória para sempre pois foi o meu primeiro golo ao serviço do Nacional e foi, também, o meu primeiro golo como profissional de futebol.
Na época seguinte a sua performance disparou. 38 Jogos, 27 campeonato, 3 Taça da Liga e 8 na Liga Europa, em que marcou, no total, seis golos. Foi uma época de sonho, tendo em conta que também passou a ser presença assídua na selecção de esperanças?
Foi realmente uma excelente época, pode-se dizer que foi mesmo de sonho. Tive momentos muito felizes na minha carreira, como por exemplo o jogo com o Zenit, onde conseguimos eliminar com todo o mérito uma das grandes equipas da Europa, ainda para mais marcando um golo. E jogar na Liga Europa foi o concretizar de mais um sonho.
São verdades as histórias que se contam da festa dos jogadores no avião durante a viagem de regresso?
As histórias não sei quais são. Mas festejámos muito, o que é normal pois foi o momento mais alto da carreira de quase todos os jogadores.
Na fase de grupos, a pouca experiência dos jogadores em provas com a exigência da Liga Europa foi determinante para o afastamento na fase de grupos, uma vez que a equipa esteve várias vezes em vantagem e, nos minutos finais, deixava escapar a vitória. Concorda?
Talvez não fosse por inexperiência, pois se assim fosse não teríamos eliminado o Zenit. Mais do que isso, faltou-nos alguma sorte.
O desempenho da equipa na fase de grupos foi uma montra importante para vários jogadores, acabando, inclusivamente, por catapultar a saída do Ruben Micael que fez vários jogos de altíssimo nível. Também se falou que o João poderia estar de saída. Preferiu manter-se na Madeira?
Nunca foi equacionada a minha saída da Madeira. Estou feliz no Nacional e nunca se falou em sair.
Sente que o facto de a equipa ter falhado a presença na Liga Europa na última jornada, ainda mais para o eterno rival, pode ser considerado um fracasso?
É um fracasso mas apenas por não termos conseguido o nosso objectivo.
O início dessa temporada teve um sabor, digamos, agridoce, na medida em que marca o primeiro golo do campeonato, frente ao Sporting, e, depois, acaba por marcar o autogolo que acabou por dar o empate aos leões. Que recordações guarda desse jogo?
Guardo recordações boas. Tive essa infelicidade do autogolo mas foi o primeiro momento de uma época muito boa.
Como é que avalia a rivalidade entre os clubes da Madeira?
Como em qualquer lugar do mundo onde existem clubes rivais.
As diferenças sentem-se por quem está dentro do campo nos derbies da Ilha?
Um dérbi é sempre um jogo especial. Mas o objectivo é sempre igual ao dos outros jogos: ganhar.
A par da caminhada no clube, o João conta já com mais de uma dezena de internacionalizações para selecção de esperanças. Esta é outra vertente importante da sua carreira?
Claramente que sim. Não só pelo prazer de representar o meu País mas também porque a selecção é sempre uma excelente montra para qualquer jogador.
No entanto, nos últimos anos a selecção de sub-21 não tem conseguido exprimir em campo o potencial dos jogadores. Porque é que acha que isso acontece?
Falta de qualidade não é. Os resultados não aparecem e as pessoas começam logo a duvidar, mas nem sempre as coisas correm como esperamos. Há alturas em que a bola não entra e quando a bola não entra não há nada a fazer.
Vai para a terceira época no Nacional da Madeira. Qual é o objectivo da equipa para esta época ao nível do campeonato?
O objectivo é o de sempre. Conseguir a qualificação para a Liga Europa.
E na Taça de Portugal?
Chegar o mais longe possível. De preferência chegar à final e ganhando-a.
Esta época ainda não teve oportunidade de fazer golos. Isto deve-se ao facto de estar mais longe da baliza ou é mero azar?
Esta época não tenho jogado tanto como na anterior, mas, mais cedo ou mais tarde, penso que os golos vão aparecer. [Resposta dada antes da deslocação dos madeirenses à Mata Real onde defrontaram o Paços de Ferreira].
Que objectivos traçou para esta época a nível pessoal?
O objectivo de qualquer jogador. Fazer uma época ao nível da anterior ou melhor.
Selecção A cabe nesse lote de objectivos?
Cada coisa a seu tempo. Mas o sonho de lá chegar tenho, como qualquer profissional de futebol em Portugal.
Acha que Paulo Bento é uma boa escolha para a selecção?
Penso que sim. É um excelente treinador de futebol, que já mostrou qualidades no Sporting e que, certamente, fará um bom trabalho na nossa selecção.
Que opinião tem do mister Jokanovic?
É uma pessoa com grandes conhecimentos do futebol, que tenta nos transmitir tudo o que sabe para que possamos melhorar e que certamente irá levar a equipa ao objectivo traçado.
Depois de vários anos virados para o Brasil, os responsáveis do Nacional da Madeira apostam, agora, mais na Europa de Leste. Acha que esta aposta é uma boa solução?
Certamente que sim. Os jogadores que vieram têm qualidade e quando assim é a nacionalidade não interessa.
Como é que avalia o campeonato português esta época?
Está muito competitivo, com equipas bem formadas e com excelentes jogadores, e certamente que iremos ter campeonato até ao fim. Quer para os lugares da Europa, quer para os lugares da despromoção.
Acha que o Futebol Clube do Porto vai conseguir manter a pedalada até final?
Até agora tem sido muito forte, mas ainda faltam vinte jogos pelo que tudo pode acontecer.
Aos 22 anos de idade o que é o João Aurélio pode prometer aos adeptos do futebol?
Não gosto de promessas. Mas posso garantir muito trabalho e empenho total para dignificar e valorizar diariamente a camisola que envergo.
Sente-se bem na Madeira?
Muito bem. É uma terra linda, cheia de gente simpática, com um clima muito agradável e onde dá gosto viver.
Deixe um desejo?
A nível pessoal espero que consiga fazer uma excelente época. A nível colectivo, que o Nacional consiga qualificar-se, outra vez, para a Liga Europa.
Texto: André de Sousa Martins.
Imagens: Jornal O JOGO.
Entrevista realizada no dia 10 de Novembro de 2010.
Entrevista na integra:
http://www.academia-de-talentos.com/entrevista/2010/11/15/entrevista-com-joao-aurelio