Site não oficializado do Sport Clube Penalva do Castelo.
A força penalvense desde 1945 no desporto e no futebol com paixão...

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Artigo de Reflexão: "O cérebro de um desportista é tão importante quanto as pernas"

Desporto - Investigação

Tema: "O cérebro de um desportista é tão importante quanto as pernas"

Artigo publicado in Jornal Público 17 Julho 2013

Autor: Tiago Pimentel


Qual é o segredo para detectar um atleta acima da média? A combinação certa de talento e preparação física é importante. Mas as capacidades mentais assumem um papel essencial.

Um desportista de topo não se reduz às suas capacidades físicas e ao talento com que foi favorecido pela natureza. Há cada vez mais literatura científica, produzida por especialistas de diferentes áreas de estudo a partir de testes práticos, a explorar a importância das competências intelectuais na prestação desportiva de alto nível. E as conclusões tendem a contrariar alguns preconceitos: cérebro e músculos são tudo menos incompatíveis.

A capacidade de analisar situações complexas, em constante mudança, e decidir muito rapidamente é um dos exemplos de como são importantes as capacidades cognitivas no desporto. Tanto que, segundo alguns especialistas, o futuro da prospecção pode bem passar pela realização de testes neuropsicológicos, em conjunto com a habitual avaliação das vertentes física e técnica.

Um estudo conduzido por uma equipa do Departamento de Neurociência Clínica do Instituto Karolinska de Estocolmo (Suécia), e publicado na revista PLoS ONE em Abril de 2012, abordou a importância da função executiva (“os processos cognitivos que regulam pensamento e acção, especialmente em situações não rotineiras”, explicam os autores) nas prestações de futebolistas de topo. Referindo-se a este conjunto de capacidades como “inteligência competitiva”, os autores consideram decisiva a rapidez de adaptação, a versatilidade na mudança de estratégia e a inibição de respostas. “Estar no lugar certo e fazer a acção certa”, resumiu Predrag Petrovic, um dos autores do estudo, em conversa com o PÚBLICO.

Os investigadores aplicaram a um total de 57 futebolistas (31 homens e 26 mulheres) um teste que avaliou a capacidade de resolução de problemas, criatividade ou inibição de respostas previamente elaboradas. Divididos em dois grupos, consoante actuassem no primeiro escalão ou nas divisões secundárias do futebol sueco, os resultados foram esclarecedores: “Concluímos que o primeiro grupo teve resultados significativamente melhores do que o segundo grupo. Para além disso, ambos os grupos obtiveram resultados muito melhores nos testes do que a população em geral. As conclusões foram semelhantes em indivíduos masculinos e femininos”, pode ler-se no estudo. “Os resultados permitiram prever sucesso, materializado em golos e assistências, sugerindo uma relação causa-efeito entre as funções executivas e o desempenho dos futebolistas”.


Estudos defendem que as capacidades cognitivas são muito importantes na alta competição

A idade é um posto

“Em desportos com bola, como o futebol, há grandes quantidades de informação que os jogadores devem analisar a cada momento. O futebolista de sucesso deve avaliar constantemente a situação, compará-la com experiências anteriores, criar novas possibilidades, tomar decisões rapidamente para agir, mas também inibir rapidamente decisões que tivesse planeado”, explicam os investigadores do Instituto Karolinska. E a experiência é um valor acrescentado. “Demonstrouse que os futebolistas experientes conseguem lembrar e reconhecer padrões de jogo mais eficazmente do que futebolistas inexperientes”, prossegue o estudo. “Os futebolistas de topo são melhores que os dos escalões secundários a prever e hierarquizar as opções de passe disponíveis. Por isso, antecipam eventos futuros de forma mais eficiente”.

O trabalho dos treinadores é decisivo neste aspecto. Num texto publicado no blogue Counter Attack, James Horncastle dava como exemplo as sessões de trabalho das equipas de José Mourinho: “Todos os exercícios são concebidos para reproduzir momentos de jogo e situações específicas para que, em contexto competitivo, os jogadores saibam exactamente o que fazer e onde estar no campo, como defender e como atacar seja em que esquema táctico a equipa ou o adversário alinhe, e de acordo com as circuntâncias do jogo - vantagem ou desvantagem no marcador e com termos numéricos". Com o tempo, estes movimentos passam a ser feitos sem esforço consciente, porque ficaram gravados na memória procedimental (aquela que denomina habilidades como andar de bicicleta ou conduzir), acrescenta o autor.
"Existem diferenças em função das diferentes posições. Em termos do que é requisitado psicologicamente, é muito diferente ser um guarda-redes ou um avançado", destaca o PÚBLICO Jorge Silvério, doutorado em Psicologia Desportiva. "É importante perceber se os atletas foram para guarda-redes ou avançado por terem capacidades cognitivas específicas, ou se a posição é que os obrigou a burilar essas capacidades, Claramente há diferenças em termos de posição que ocupam no campo".
Para além desta distinção em termos posicionais, houve uma evolução na exigência, diz Jorge Silvério: "Antigamente o futebol jogava-se a um nível mais lento. A bola chegava e um organizador de jogo tinha algum tempo ainda para pensar no que ia fazer. Neste momento, antes de a bola chegar, ele já tem de ter arquitectado duas ou três possibilidades do que fazer a seguir, de onde colocar a bola."

Atletas "hiperconcentrados"

Da mesma forma, as capacidades visuais são determinantes na prestação de um desportista de topo, independentemente da modalidade à qual se dedica. Essa é a conclusão do estudo conduzido por Jocelyn Faubert, director do Laboratório de Psicofísica e Percepção Visual do Departamento de Optometria da Universidade de Montreal. O tratamento centrou-se no processamento visual de situações complexas, e o autor termina sem dúvidas: há "claramente algo especial" nos atletas de topo.
Partindo de um teste aplicado a 102 profissionais (51 futebolistas da Liga Inglesa, 21 hoquistas da Liga norte-americana de hóquei no gelo a 30 jogadores de râguebi do TOP 14, a principal competição da modalidade em França), 173 amadores (136 dos programas desportivos universitários dos EUA e 37 de um centro de treinos olímpico europeu) e 33 estudantes universitários não praticantes de qualquer modalidade, a investigação mostrou "uma clara distinção entre o nível de performance atlética e as fundamentais capacidades mentais correspondentes".
A prova consistia numa apresentação tridimensional, com esferas em movimento, e na qual era necessário identificar um determinado número delas, que tinham sido assinaladas antes de começarem a mover-se. Com isto, testava-se a distribuição da atenção por vários objectos em movimento.
"Os objectos profissionais parecem ser capazes de hiperconcentrar-se por curtos períodos de tempo, resultando numa aprendizagem extraordinária ao longo do teste", aponta Jocelyn Faubert. Os desportistas profissionais eram mais rápidos do que os restantes logo no primeiro teste e a curva de evolução da velocidade aumentou significativamente ao longo das várias sessões seguintes.
"Por outras palavras, eles são mais capazes de aprender como interpretar o mundo real em movimento", explicou o investigador. "Os nossos resultados sugerem que a aprendizagem rápida em contextos dinâmicos complexos e imprevisiveis é um dos componentes críticos para prestações de elite", pode ler-se no estudo, que recorda trabalhos de outros especialistas nos quais se identificou que os atletas de alto nível têm uma maior espessura em algumas áreas do córtex cerebral. "Este maior volume anatómico está relacionado com o nível de treino desportivo", nota Jocelyn Faubert.